A eternidade infernal sempre será uma afronta à nossa percepção do divino. O aconchego do descanso no amor incondicional do Pai parece aviltado pela possibilidade de um castigo que é eterno. Com os instrumentos naturais, com o entendimento e sentimento apenas, acreditar que Deus permitirá que homens e mulheres sejam, sem cessar, punidos, nos parece cruel demais, mesmo em relação aos homens mais pecadores. Se alguém não sente esse incômodo, é porque está anestesiado por uma religiosidade fria, apartada da realidade.
Isso explica muito o sucesso de Rob Bell, pastor-fundador da Mars Hill Bible Church, em Grand Rapids, Michigan, nos Estados Unidos. Ao assumir uma crença universalista, tornando o Inferno, ou algo parecido, apenas uma coisa passageira, afirmando que, no fim das contas, todos serão restaurados para a comunhão divina, foi ao encontro do anseio de muitas pessoas que, mesmo sendo cristãs, não conseguem enfrentar a dureza daquela verdade revelada.
Em seu livro, “O amor vence”, o pastor Bell tenta expor sua doutrina, que, em essência, é universalista e, assim, causou certo alvoroço no meio cristão, principalmente protestante. No entanto, esse debate ocorre menos pelo tema em si, que é tão velho quanto o próprio cristianismo, mas porque o ministro americano é quase uma celebridade e, assim, o que diz, de alguma maneira, tem influência no povo cristão, não apenas daquele país, mas chegando mesmo nestas terras longínquas.
O universalismo é, resumidamente, a crença de que todos os seres inteligentes serão, em algum momento, restaurados à plena comunhão com Deus. Assim, o Inferno, se existir, não será eterno. O fundamento principal para essa crença é o amor divino. Os universalistas acreditam que se Deus é amor, não faria sentido permitir que os homens, que em sua totalidade são objetos desse amor, sofressem infinitamente as penas infernais.
Na história da Igreja, houve pensadores universalistas, muitos deles bem conceituados, como Clemente de Alexandria e Orígenes. Entre os modernos, é conhecido o universalismo de R. N. Champlin, erudito protestante que, em seus escritos, tem servido de apoio para muitos estudantes de Teologia.
Todo esse debate, porém, não está centralizado na questão geral do universalismo, já que este não é um assunto passível de discussões por incautos e incultos. O que acaba se tornando objeto de opiniões é o consequente entendimento sobre o Inferno que a ideia universalista lega para os estudiosos, estudantes e leitores da Bíblia.
Se haverá uma restauração derradeira de todas pessoas, o Inferno, logicamente, não é eterno. Se ele existe, no máximo, servirá como um período de emenda. No fim, desaparecerá, por simples inutilidade e esvaziamento, o que o torna muito parecido com um Purgatório, na verdade.
Rob Bell crê nisso, apesar de não deixar claro se o Inferno é um lugar, um estado ou um momento. E quando se depara com as palavras de Cristo, que afirma que irão alguns pecadores “para o castigo eterno, porém os justos, para a vida eterna”, o pastor simplesmente afirma que Jesus não está falando de um castigo “para sempre”. Ora, se castigo eterno não significa para sempre, significa o quê, então? Por mais que o pastor faça um malabarismo para explicar o significado da palavra grega aion, no que ele não está essencialmente errado, já que um de seus significados seria mesmo “era”, a palavra usada no livro de Mateus, aionios, é um adjetivo que é, mais usualmente, entendido como algo sem começo, sem fim, ou sem começo e fim, ou seja, eterno. Portanto, é muito difícil interpretar de outra maneira as palavras de Jesus.
A questão principal e mais trivial, no entanto, é que o Inferno, como nos é revelado, existe, como algo sem fim, portador de penas sem fim. Ainda que compreendê-lo dessa forma seja uma afronta à percepção natural, assim é que nos está ensinado pelos Evangelhos. E é exatamente esse incômodo e essa agressão ao natural que o torna tão convincente. Sendo o extremo negativo da existência, o afastamento completo do Criador, sua realidade coloca o homem presente no intermédio entre duas pontas que o direcionam decididamente. Seria ingênuo acreditar que os seres humanos, apenas por sua intuição, raciocínio e sensibilidade naturais, fossem capazes de compreender a realidade da bondade divina e por Deus decidir. O inferno e o céu são realidades que revelam os extremos da existência, que por suas características principais – o afastamento ou a comunhão plena com Deus, têm também a função de fazer o ser humano decidir pela segunda. Sem o entendimento desses dois extremos, restaria ao homem a confusão de sua própria realidade presente, difusa, dicotômica, incerta e vacilante. Neste caso, o certo e o errado, o bem e o mal e a verdade e a mentira estariam misturados a ponto de não se diferenciarem.
Quando o pastor americano afirma, categoricamente, sobre a não eternidade do Inferno, ele está indo um pouco além do que está revelado. Mais importante, porém, de saber se ele tem razão ou não, é entender que afastar a ideia do castigo eterno do imaginário das pessoas é lançá-las na confusão de suas próprias existências dúbias. Se assim o Inferno foi revelado é porque é assim que ele deve ser entendido. O que Deus fará depois, isso é apenas problema Dele.
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