Viver o máximo de tempo possível é o que todo mundo tenta fazer. Nunca vi alguém chegar em determinada idade, ainda que avançada, e dizer: “Já deu! Já foi o suficiente. Adeus!”. Apegamo-nos a vida, mesmo quando ela já não nos serve para muita coisa. E lamentamos a partida, mesmo de quem mais nada havia o que fazer por aqui.
Não desejamos a morte e tentamos adiá-la o quanto pudermos. Porém, se pensarmos bem, ela é, de qualquer maneira, mais uma solução do que um problema.
Não que deva ser antecipada, nem desejada, mas, quando ocorre, a morte resolve todas as pendências.
A essência da vida são os problemas, as buscas, as necessidades, os vazios, a incompletude. Nosso trajeto é marcado pelos erros, pelos pecados e por uma luta incessante contra as más tendências.
Temos alguma felicidade e momentos de alegria, obviamente. Mas não nos parecem naturais. Precisamos esforçarmo-nos para obtê-las, ainda que temporariamente e de maneira fugidia.
Não queremos morrer, mas imagine se vivêssemos muito mais do que costumamos viver!
Oscar Wilde imaginou isso em seu romance “O retrato de Dorian Gray”. Nele, o personagem principal, envaidecido com sua imagem pintada por um artista, deseja não envelhecer mais, o que, de maneira misteriosa, fora-lhe concedido. Enquanto ele permanecia sempre jovem, quem se corroía era sua pintura.
Essa vida indefinidamente longeva, porém, não foi uma bênção para Dorian Gray. Apesar de colher algumas vantagens terrenas pelo fato de poder aliar experiência de vida e aspecto juvenil, logo as complicações dessa afronta à natureza começaram a aparecer.
Primeiro, Dorian Gray começou a ver-se sem amigos. Afinal, os seus contemporâneos envelheciam e ele não. Com a perda da expectativa da morte, viu-se isolado. Não pertencia a tempo algum, a geração nenhuma.
Apesar de olharmos a morte como um termo, seu papel é também delimitar nosso lugar no tempo. Somos parte daquele período entre o nascimento e ela. Isso nos identifica, nos molda, forma o nosso caráter. Sem a morte, perdemos essa referência.
Contudo, O efeito mais devastador da ausência da morte na existência de Dorian Gray foi o acúmulo desesperador de erros. Com o fim de sua vida adiado indefinidamente, em determinado momento a multidão de pecados tornou-se um peso incômodo sobre suas costas. Os desvios, as mentiras, os crimes e toda sorte de trangressões tornaram-se insuportáveis.
Geralmente, nós vemos a morte apenas como o fim da vida, e a esta nos apegamos instintiva e teimosamente. Esquecemos, porém, de observar o que talvez seja sua principal função, a saber, quitar nossos débitos. É ela quem nos perdoa e põe fim ao desconforto que o acúmulo de infrações causa à nossa alma.
Se não nos sobreviesse a morte, em algum momento nossa existência seria intolerável e, da mesma maneira que Dorian Gray, clamaríamos por sua vinda. E não há maldição maior do que desejar a morte e não a tê-la.
Sendo assim, não que ansiemos pelo fim da vida, mas que aprendamos que, de alguma maneira, quando a morte sobrevém, ela não é de todo um mal.
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