Aqueles que perdem o contato com suas próprias almas estão prontos para aderir a uma grande causa. São os frustrados que não podem mais suportar o peso de sua irrelevância, que não aguentam mais a mediocridade de sua existência, os que se lançam nos movimentos coletivos. O mais importante, de fato, não são as ideias, nem os projetos, mas, simplesmente, o tomar parte em algo que pode lhes prometa uma identidade.
As grandes revoluções apenas foram possíveis porque havia em suas hordas milhares de homens prontos para entregar suas vidas pelo movimento. Eles, diferente do que muitos pensam, em sua maioria, não eram principalmente utopistas, nem teóricos do paraíso futuro, mas pobres desalmados que se lançaram em algo que lhes dava sentido, que lhes alçava a uma existência que informava que eles poderiam ser alguém.
Os jovens, por isso, sempre foram os mais vulneráveis à retórica revolucionária. É que ainda não estão maduros para possuir uma identidade definida. Também o são os profissionais frustrados, principalmente aqueles que vivem em departamentos da burocracia, e aqueles que vivem uma vida tediosa e sem motivação. Todos esses, quando ouvem o chamado do canto do movimento de massa, enxergam nele a possibilidade da vingança contra tudo o que tornou sua vidas pobres e vazias. Seguir um grande movimento, no fundo, é tentar resgatar a própria alma.
Fazer parte de uma estrutura coletiva, porém, nada mais é do que ser um pedaço insignificante na massa multiforme e sem rosto que compõe as linhas dos grandes movimentos. Longe do grupo, na solidão de suas consciências, esses pobres coitados continuam a ser o mesmos medíocres de sempre. Por isso, qualquer afastamento da camaradagem ideológica apresenta, para eles, um aspecto de morte existencial. Ser rejeitado pelo grupo é como ser enviado ao ostracismo, a vagar por terras estranhas da vida.
Ser adepto de um movimento coletivo, longe de resgatar o ego perdido, é uma condenação à escravidão. Como sua identidade apenas existe quando fala em nome do grupo, viver para o grupo é tudo o que lhe resta. Nem família, nem vínculos tradicionais, nem mesmo os amores podem concorrer contra aquilo que parece manter vivo a alma de quem se entregou a uma causa comum. Tudo passa a ser para ela; nada existe sem ela.
Ao ser absorvido por essa identidade coletiva, como bem compreendeu Eric Hoffer, em seu livro Fanatismo e Movimentos de Massa, “o indivíduo unificado não tem um ego distinto; está perpetuamente incompleto e imaturo, e portanto sem resistência contra as influências vindas de fora”.
A consequência é sua crescente até a total despersonalização. Sem personalidade, torna-se apenas mais uma peça na engrenagem ideológica, descartável, útil apenas enquanto servir aos fins mais utilitaristas da ideologia. Como sua identidade é o grupo, se destoa dele não é mais ninguém. Por isso, os movimentos radicais são menos tolerantes com os que se desviam de suas ideias, do que com aqueles que cometem quaisquer outras faltas.
Por isso, diferente daquela imagem romântica do revolucionário consciente, que luta contra as injustiças do mundo, com a força de um herói, por um amor fraterno pela humanidade, o adepto de um movimento ideológico nada mais é do que um medíocre, um pobre sem alma, que por não conseguir construir uma identidade na vida comum, nem conseguir ajustar o seu ego à realidade, em uma atitude desesperadora de encontrá-lo, acaba por perdê-lo definitivamente.
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