Na memória de um filho, a imagem do pai nunca se apaga
Um homem que não tem filhos falar sobre o significado da paternidade pode soar leviano. Que ousadia! Não experimentou ainda o mel e o fel do fruto de sua natureza e pretende discorrer sobre o sabor da experiência. Porém, sendo todos nós filhos, e isso ninguém pode discordar, carregamos a experiência da paternidade, mesmo que ainda incompleta. Quando o amor pelo pai é tão grande quanto o meu, falar disso é tão natural que parece que fala-se de si mesmo e de seus próprios experimentos. Aliás, essa é a síntese da relação pai e filho: quanto mais o tempo passa, mais se pode ver o pai no filho e mais se pode enxergar o filho no pai. Esta é a substância da natureza paterna: perpetuar a si mesmo, de alguma forma. Por meio dos filhos, os pais não morrem, mas prosseguem a história, com outra face, outro jeito, mas carregando ainda sua essência. Por isso, educar, ensinar, cuidar e prover aos filhos é tão importante. É como cuidar do próprio corpo, da própria alma. Aqueles que podem se orgulhar de seus filhos, na verdade se orgulham de seus próprios atos. Isso é natural e bom.

Deus, que é o pai por excelência, o genes de todas as coisas, passou muito tempo ensinando a um povo que ele tinha como um filho. Mostrou o caminho, direcionou à verdade, declarou o seu amor e chorou pelo erro dele. Nesse tempo, cuidava como um pai, ensinava como um pai, castigava como um pai, mas, pela meninice da humanidade, era visto, por ela, apenas como um Deus. Por assim ser, este mesmo povo se afastou desse Deus. Isso porque faltou o que há de mais importante entre pais e filhos: a cumplicidade. Ao não enxergar a Deus como pai, não enxergava o desejo deste Deus de se relacionar mais profundamente, de amar, de compartilhar. Deus queria ser pai, os homens queriam um Deus. Acabaram sem pai, por não quererem, e sem Deus, por não merecerem.
 
Mas veio a plenitude dos tempos e aquele que estava ao lado de Deus, desde o princípio, vem à terra por amor. E no início do ministério desse homem chamado Jesus, Deus, talvez pela primeira vez, pôde com toda a força dizer: ‘Este é o meu filho amado, em quem eu me alegro!” Naquele momento, a paternidade de Deus é divulgada com a emoção indescritível da relação de amor existente entre pai e filho. E não há nada melhor para um pai, mesmo que esse pai seja o próprio Deus, do que se alegrar em sua prole. O Deus que tanto tempo passou ensinando a humanidade infantil a andar, falar e agir, agora declara, com voz de trovão, todo seu amor e alegria, naquele que Ele chamou de Filho.
 
Deus quer ser pai, e o quer muito. Tanto que chama a todos a aceitarem essa filiação. Talvez Ele tenha se cansado de ser Deus e quer voltar a ser àquele que passeava à tarde com seus filhos, conversando e ensinando. Ora, se é assim com o próprio Deus, é porque ser pai deve ser sublime. Se o próprio criador desejou viver essa relação, é porque vê nela a beleza eterna do amor.
 
Deus olhava para Jesus e via a Ele próprio, pois ambos eram um. Assim, também, o pai terreno pode olhar para o filho e ver a si mesmo. São como espelhos. Por mais diferentes fisicamente que possam ser, sempre há algo que os faz lembrar um do outro. Mesmo na adoção, paternidade por escolha, vê-se o tempo harmonizando o que naturalmente não havia, e mesmo nesses casos, percebe-se que muito legado pode-se deixar, ainda que não haja a herança biológica. Nós, filhos por adoção do Pai Eterno, ainda que naturalmente diferentes da perfeição que Ele carrega, recebemos dEle o legado da esperança, do amor e da eternidade. Afinal, ser pai é mais do que gerar. A geração depende de um ato único, às vezes até inconsequente. É natural, muitas vezes inesperado. Mas ser pai, de verdade, é continuar gerando, a cada dia, algo novo. É fazer nascer, ininterruptamente, os valores e as virtudes na alma dos filhos. É construir no coração e na mente da prole as bases para a continuação do que eles mesmos, os pais, são. Eu hoje te gerei (Sl 2.7) é a demonstração da paternidade ininterrupta do Pai das Luzes.
 
Talvez não haja alegria maior nessa vida, do que poder dizer como o Senhor disse: Esse é o meu filho amado, em quem eu me alegro! (Mt 3.17). Pais, olhem para seus filhos; filhos olhem para seus pais; agora, tentem enxergar a si mesmos. Uma paternidade verdadeira não pode ser negada. Com os pontos positivos e negativos que ela pode acarretar; ela não pode ser negada. Portanto, pais: não abandonem a si mesmos, pois esses que estão ao seu lado são, de alguma forma, vocês. E quando tiverem que partir, saiba que ao menos, na memória deles, vocês não morrerão um dia sequer. Filhos, não neguem sua história. Na alma desse que lhe gerou há muito do que você é e compreendê-lo ajudará demais a compreender a si mesmo. Pais e Filhos, se amem de verdade. Pois se vocês não se amarem, estarão deixando de amar uma parte de vocês próprios. O vínculo que há entre vocês ninguém pode quebrar, nem a morte. Amores passam, amizades também, mas o que há entre pais e filhos é eterno, e ultrapassa gerações. Na memória de um filho, a imagem do pai nunca se apaga. E quando ele menos espera, se vê repetindo as mesmas frases, os mesmos gestos o mesmo olhar. Todos nós somos a lembrança do que são ou foram nossos pais, como somos também, quando aceitamos ser filhos, a lembrança de quem é Deus. E se houver amor sincero nessa relação, nem o tempo nos faz esquecer, pois há o espelho que estará sempre presente para denunciar que somos parte de nossos pais.
* originalmente publicado em 2005

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