Não nego! Há momentos que o desejo que bate no peito é o de mandar às favas a civilização e fazer como George Orwell e ir morar em uma casinha em um litoral inabitado qualquer, sem mais contato com o mundo, sem mais preocupações temporais relevantes. Invade-me uma vontade de apenas sentar com os livros em volta, com a Bíblia ao lado e alçar meus pensamentos apenas para a eternidade, para as coisas superiores.
O mundo cá embaixo anda demasiado esquisito. Os alicerces sobre os quais nos apoiamos parecem ser apenas fantasia de retrógrados delirantes – pelo menos é assim que esforçam-se para que pareça. Travar qualquer tipo de diálogo mais profundo está se tornando cada vez mais difícil, e mesmo os embates estão perdendo a graça, pois até para isso é necessário que haja algum acordo entre as partes.
O problema é que nem mesmo a realidade parece a mesma. O mundo que boa parte das pessoas vive é um sistema paralelo de crenças e convicções que nem mesmo tangencia a vida como eu mesmo a enxergo. É verdade que ainda há pessoas que parecem comungar algo comigo, porém estão tão longe e são tão poucas que desanima tentar uma aproximação.
Estes, talvez, sejam os sentimentos de uma parte de brasileiros que, por circunstâncias e por esforço, entenderam algo do estado de coisas que estamos vivendo. O passaporte está virando um objeto de desejo, e só não deixam estas terras por causa dos vínculos, das responsabilidades e dos afetos que, eventualmente, ainda os prendem por aqui.
Diante do desejo de escape, o grande desafio para o brasileiro inteligente, que crê e se preocupa com as coisas mais elevadas do espírito, é encontrar o ponto de equilíbrio entre uma vida submersa no lodo das preocupações comezinhas cotidianas e a contemplação e reflexão sobre a perenidade da eternidade. O problema é que se a realidade diária da vida material pode ser sufocante e alienante, abandoná-la completamente, ao invés de lançar o homem para a eternidade divina, talvez apenas antecipe sua solidão infernal. Isso porque se há uma promessa de eternidade paradisíaca, esta apenas é concedida para aquele que, de alguma maneira, cumpre seu papel neste mundo intermediário que vivemos. Sem entrar em detalhes teológicos, a promessa do céu apenas alcança homens nascidos – e vividos neste mundo e não podemos negar que há uma responsabilidade para cada homem. Fugir desta, ao invés de salvação, pode se tornar sua verdadeira condenação.
O exercício desafiador de todo brasileiro inteligente é, portanto, identificar os assuntos temporais que possuem alguma relevância. Na verdade, esse é o desafio do homem espiritual mesmo: ao invés de, gnosticamente, criar uma ruptura entre os dois mundos, encontrar os pontos de intersecção que mostrem como e onde este mundo se encontra com o céu, onde e quando o eterno e o temporal se comunicam, ou melhor, como fazer com que as matérias terrenas tenham alguma relevância para a eternidade.
Eu sei que muitas vezes a vontade que nos acomete é de fugir mesmo. Porém, para aqueles que creem em um Deus transcendente e, ao mesmo tempo, atuante, talvez o melhor seja ouvir a voz do bispo de Hipona e gozar das coisas celestes. Quanto às terrenas, devemos usá-las, mas para que possamos gozar as celestes.
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