Você se vê como alguém razoavelmente inteligente. Até porque procura estar bem informado, sabe conversar sobre os assuntos mais importantes do cotidiano social, é instruído, fez faculdade, sabe citar alguns bons autores, fala de forma aceitavelmente correta e, principalmente, se esforça por não ser fútil.
Mas você também tem counsciência de que precisa aprender mais e está aberto a ouvir quem se dispõe a compartilhar seus conhecimentos. Fica, então, atento aos canais daqueles que aparecem como as sumidades em suas áreas de atuação. Permite-se escutá-los.
Logo, porém, percebe que esses instrutores não parecem tão superiores como se vendem. Geralmente são simpáticos, mas claramente não tão instruídos; falam com desenvoltura, mas não tão corretamente; ensinam, mas não com a profundidade que você esperaria. Comparando-se com eles, você pensa: “não são muito mais inteligentes do que eu”.
Depois de um tempo, você percebe que, apesar de não se ver como uma sumidade, não é tão menos capaz do que aqueles que são alçados ao panteão dos grandes mestres, que estão por aí dando palestras caras e recebendo dividendos milionários por suas aulas.
Só que você lê, estuda, se instrui, se esforça para não ser estúpido e chafurdar na lama da futilidade, mas quem são aclamados e enriquecem são eles.
Diante disso, não tem como não se sentir meio fracassado. E o que dói mais: enquanto eles são reconhecidos como inteligentes, você é tratado como incapaz, até como meio burrinho, por não saber transformar sua “inteligência” em dinheiro.
A pressão é tão grande que tem dias que a sensação é de que a sociedade lhe pega pelo pescoço, esganando-lhe e sacudindo-lhe, cobrando de você os resultados que ela tanto valoriza. Não importa se você é patrão, empregado ou autônomo, artista ou atleta, pai ou estudante – o julgamento que se lhe dirige vai sempre levar em conta o que você produz e, se não produz nada socialmente relevante, será visto quase como um inútil.
Você se acha razoavelmente inteligente, mas a sociedade diz que não. Para ela, se fosse, saberia se adaptar às suas exigências, saberia resolver os problemas que ela lhe impõe, apresentaria frutos visíveis e palpáveis. Para ela, dizer que estuda, que lê, que se informa não significa nada. A primeira pergunta que lhe farão é “para que serve tudo isso?”. E se não servir para algo prático então dirão que não serve para porcaria nenhuma.
Quer ser respeitado? Quer ser visto como alguém inteligente? Então, ganhe dinheiro, pelo menos, para se posicionar na chamada classe média. Qualquer coisa abaixo disso ─ pensarão ─ é sinal de que você é burro.
Mas o que é a inteligência, afinal de contas? Devemos lembrar que etimologicamente sua origem vem do latim ‘inteligentia’ que significa “discernir, compreender, entender”. Por isso, dizemos que algo compreensível é inteligível. Ou seja, ‘inteligência’ parece se referir à capacidade de entender as coisas, de compreender aquilo que se observa.
Segundo essa definição, inteligência não tem a ver com a capacidade de fazer coisas, de transformá-las, de manejá-las; inteligência significa reter e processar as informações que as coisas transmitem (porque tudo transmite informação), compreendendo-as devidamente. Inteligência, portanto, não tem a ver com o que sai do homem ― seus atos, suas palavras, suas realizações ― mas o que nele entra, o conhecimento que absorve e como ele o processa.
Fica claro que a inteligência não é uma capacidade criativa, construtiva ou realizadora, mas uma capacidade compreensiva. Uma pessoa não pode ser tida por inteligente porque faz bem algo ou porque consegue realizar algo, mas, sim, por ser capaz de entender as coisas que observa. Conquistas materiais não são sinal de inteligência, entender como as coisas se dão, sim.
Esse é o motivo porque uso a expressão ‘sabedoria prática’ quando me refiro à habilidade de fazer e ‘inteligência prática’ à capacidade de entender como as coisas são feitas. Sabendo que a sabedoria pressupõe a inteligência, apesar desta nem sempre ser sábia. Como se diz: saber o que fazer não garante saber fazer.
Portanto, não importa se você fez da inteligência um meio para melhorar de vida ou se, apesar dela, sua existência material permanece complicada. A inteligência pertence a um mundo à parte das conquistas terrenas. Ela é uma conquista íntima, somente sua que, em princípio, ninguém pode reconhecer desde fora. A inteligência pertence ao espírito e o espírito faz pouco caso das recompensas deste mundo.
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