Propus um desafio para meus alunos e, agora, vou revelar os verdadeiros motivos.
Transcrevi e célebre frase “o homem é o lobo do homem” e pedi para eles me dizerem de quem é esta frase, onde ela está escrita e qual o seu significado.
Não impus qualquer restrição e, assim, os alunos poderiam pesquisar em qualquer fonte.
As respostas não me surpreenderam.
Quase todos disseram que a frase era de Thomas Hobbes, escrita em seu livro Leviatã, e significava que o homem, por natureza, faz mal ao próprio homem.
Quem fizer uma rápida pesquisa na internet vai encontrar, em diversos sites, essas mesmas explicações ou algo parecido.
E aqui está exatamente o que eu quero mostrar: a importância, do estudioso sério, de buscar as fontes primárias, em vez de basear-se, exclusivamente, em informações de segunda mão.
A quantidade de imprecisões históricas é gigantesca; o número de interpretações equivocadas é imenso. Por isso, ler diretamente o autor, quando possível, é sempre recomendável.
Vamos ao caso de Hobbes!
Primeiro, a frase não é dele, mas de Platus, dramaturgo romano que viveu cerca de dois séculos antes de Cristo. A transcrição da frase original seria “Lupus est homō hominī, nōn homō, quom quālis sit nōn nōvit”, a qual pode ser traduzida por “O homem não é homem, mas um lobo, para um estranho”.
A informação da autoria aparece em diversos sites. Também, praticamente, todas as fontes indicam que a frase foi popularizada pelo pensador inglês, no século XVII. No entanto, geralmente, não é a frase completa a apresentada, mas a versão simplificada “o homem é o lobo do homem”.
Agora, começa o problema maior. A maioria dessas fontes pesquisadas indica que a citação fora feita em sua obra mais célebre, ”O Leviatã”. No entanto, isso está errado porque a citação fora feita em seu livro anterior, chamado “Do Cidadão”.
A citação feita, porém, não é literal. Hobbes, na verdade, faz quase uma paráfrase. Assim, ele escreve: “Ambos os ditos estão certos: que o homem é um deus para o homem, e que o homem é lobo do homem. O primeiro é verdade se compararmos os cidadãos entre si. E o segundo, se cotejamos as cidades”. O que o autor quis dizer aqui, considerando todo o contexto no Capítulo I do livro, onde se encontra essa citação, é que a violência que os homens condenam na atitude de seus governantes e concidadãos, praticam-na com os povos estrangeiros; que enquanto buscam paz na própria cidade, fazem guerra com as outras.
Percebe-se, portanto, que a citação de Hobbes envolve uma idéia muito mais ampla do que, simplesmente, a de que o homem é, por natureza e de maneira imutável, um inimigo dos outros homens. O pensamento é bem mais complexo e até ambíguo.
No entanto, transmitiu-se, por gerações, um pensamento bem mais simplificado, quase contradizendo o sentido da frase.
O que mais me interessa, aqui, porém, é mostrar como mesmo uma citação célebre e replicada por séculos pode conter imprecisões consideráveis de sentido e erros de localização, quando não em relação a própria autoria.
Isso mostra a importância, para o estudioso sério, de sempre procurar as fontes originais das idéias, para não ser apenas mais um mero repetidor de equívocos seculares.
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