O fogo do altar científico

Um abandono gradativo do senso comum caracteriza a forma de pensar do homem inteligente da modernidade. Em sua pretensão de ser racional, passou a fiar-se mais em sua cabeça – mas uma cabeça que parece plainar solta pelo mundo. O que ele sabia deixou de ser o que simplesmente sabia, seja de que forma fosse que tivesse vindo a saber. Passou a valer somente o conhecimento que podia explicar, principalmente se pudesse fazer isso pelas estritas regras do discurso lógico.

Obviamente, esse racionalismo logo deparou-se com diversas limitações. Ele constatou que muitas provas precisavam ser materializadas, pois muitas coisas exigiam mais do que uma mera explicação. Em vez, porém, de recuar à sabedoria anterior, que, sobre muitas coisas, sabia que sabia e satisfazia-se com isso, os racionalistas foram ainda mais longe e acrescentaram ao raciocínio a exigência de experimentação.

Tudo aquilo que era um ingênuo e imediato conhecimento da verdade ficou suspenso, até que a sapiência pudesse testá-la materialmente e explicá-la discursivamente. Deixou de existir a evidência direta e a verdade tornou-se um conceito. A certeza transformou-se em algo raro, difícil de ser obtido e completamente dependente de elementos externos.

A verdade ficou tão difícil de ser comprovada que era óbvio que o próximo estágio seria a própria desconfiança sobre sua existência. Fizeram tantas exigências para a certeza, que chegou um momento que ela já não se mostrava, tornando tudo duvidoso.

Mas os homens modernos eram racionais demais para simplesmente tornarem-se céticos; confiavam demais em sua inteligência para simplesmente tornarem-se cínicos. Transformaram-se então em cientistas e elevaram sua deusa, a Ciência, como magistrada universal de todos os juízos.

Hoje, só é verdade o que a Ciência diz que é. Não importa a convicção subjetiva, a evidência direta, o senso comum – o que não passa pelo fogo do altar científico não tem sequer o direito de reivindicar seu lugar no mundo.


Comentários

Uma resposta para “O fogo do altar científico”

  1. Avatar de Paulo Medina
    Paulo Medina

    Uma das consequências deste monopólio do racionalismo foi a propagação dos livros de auto ajuda como forma de explicar o que antes sabíamos pelo instinto.

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