Não somos os mesmos de quando éramos jovens. Tudo muda: a forma de ver o mundo, a personalidade trabalhada pelas experiências, a capacidade de perceber o que antes parecia impossível e, especialmente, a forma de ler os livros.
Muitas das minhas leituras de juventude foram feitas sem a capacidade, que tenho hoje, de interpretação e de captação das sutilezas. Por isso, foram leituras defeituosas, muitas delas feitas com um esforço muito maior do que o recomendável para uma boa absorção do conteúdo.
As leituras juvenis são excelentes, pois, apesar de suas falhas, preparam-nos para a vida intelectual da maturidade. Contudo, elas podem acarretar um problema, no qual eu me vi implicado.
Enquanto eu conversava com um amigo, Leonardo Quintanilha, sobre grandes autores, em algum momento ele citou-me Flaubert. Imediatamente, reconheci a superioridade linguística do romancista francês, mas, ao mesmo tempo, fiz um comentário desabonador, dizendo que esse escritor me parecia um tanto enfadonho. Imediatamente, notei a estranheza de meu amigo e eu mesmo fiquei intrigado com minha própria afirmação. Logo, então, corri para minha biblioteca e tomei o Madame Bovary para relê-lo. Que surpresa! Eu estava completamente equivocado.
Flaubert é ótimo! Além de possuir uma fineza de estilo em sua escrita, há, na sua narrativa, uma ironia sutil, qualidades que apenas são vistas nos grandes escritores. E escrevo isso não com a autoridade de um crítico literário, mas com a vergonha de quem não percebeu o que todo o mundo já havia percebido antes de mim.
Meu engano deveu-se por algo muito simples: ter baseado minha crítica em uma leitura feita na minha mocidade. O erro foi ter assumido a impressão juvenil como definitiva. Deslize imperdoável, diga-se de passagem!
Quando li Madame Bovary, o fiz no afã de um iniciado no universo das letras. Li-o estimulado pela moda, à época, de estudar a personagem de Flaubert em seus aspectos psicopatológicos. Na verdade, como todo mundo lia, eu achava que deveria lê-lo também. Deveras, não fiz nada de errado ao tomar um clássico moderno no início de minha jornada intelectual. O deslize foi ter formado uma ideia crítica definitiva a partir disso.
A vida intelectual não é um caminho linear, trilhada com um mero acúmulo de leituras e estudos, mas uma ascensão em espiral, pela qual, constantemente, é preciso retomar obras e autores que vimos tempos atrás, a fim de analisá-los sobre um novo olhar, mais amadurecido e mais sensível, forjado pelo tempo, pela experiência e pelo suor.
Considerar um livro lido na juventude como elemento definitivo do cabedal intelectual pode ser – como se demonstrou no meu caso – origem de equívocos censuráveis. E espero não cometer essa falha novamente.
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