O dilema entre a vida espiritual e política

Todo cristão politicamente consciente passa por um certo dilema entre a valorização que ele dá às questões mundanas e às espirituais. Não há como alguém, que sabe que este mundo é passageiro, que há uma promessa eterna de uma vida perfeita e superior, mas também preocupa-se com os assuntos terrenos, não ficar em dúvida se sua atenção ao que é transitório não está sendo demasiada.

Se você passa por isso, antes de tudo, não se preocupe demais, pois essa batalha interior faz parte da própria natureza da vida espiritual. Lembre-se da oração de Jesus, em relação aos seus, quando ele pede para que Deus livre-os do mal, porém não que tire-os do mundo. Nela, Cristo já demonstra qual é a verdadeira característica da vida de um cristão: a constante luta contra o mal do mundo, mas sem fugir dele. Como diz o título de um livro de A. W. Tozer, este mundo é o nosso campo de batalha.

E nessa guerra encontramos diversas frentes. A primeira ocorre em nós mesmos, com nossa luta ininterrupta contra a natureza carnal, esta que insiste em nos puxar para o que é inferior. Precisamos, todo o tempo, vencer o mal em nós, este que nos dispersa, nos cega às vistas, retrai nossos ímpetos valorosos e impede que contemplemos aquilo que realmente é importante.

A segunda acontece em relação ao outro, pois a natureza comum decaída é egoísta e inclinada para o mal. Como sabemos que devemos amar, como disse Jesus, até mesmo nossos inimigos, não há como negar o conflito constante que nos deparamos, entre o dever do amor e o desejo do confronto ou do desprezo. Não é fácil ver que o outro age com estupidez e até maledicência e, ainda assim, manter o espírito elevado, vendo nele apenas alguém que sucumbiu diante da natureza humana rebaixada.

E o último campo de batalha é a sociedade. Nela, encontramos todos os conflitos, todas as maldades, todas as vilezas, tudo o que há de mais baixo em termos de padrões morais e inferior em sentido intelectual. Como nela o que, na verdade, existe é o acúmulo das misérias humanas individuais, quando a observamos como um todo, o mal transparece e a sensação é que estamos diante de algo que deva ser rejeitado, de plano.

Apesar de tudo isso, eu ainda acredito em alguma bondade residual no homem. Creio que, apesar do rebaixamento drástico da natureza humana, proporcionado por sua Queda, há algum resquício da imagem de Deus em cada um de nós. E é este resíduo de deidade que ainda nos permite lutar, de alguma maneira, contra nossa própria miséria. Por isso, ainda podemos ver alguns exemplos de homens e mulheres que conseguem, não sem muito esforço, é verdade, cometer atos valorosos e se destacar da baixeza geral que vemos no mundo.

E é esta bondade que ainda existe que permite que algumas pessoas não ajam apenas em benefício próprio, mas busquem ajudar outros, que tanto necessitam. E não digo apenas da ajuda básica, como alimentos e roupas, mas pessoas que se dedicam ao ensino, à evangelização, ao alimento espiritual do próximo. 

A própria sociedade, de alguma maneira, é a prova de que não somos completamente maus. Quando eu ando pela minha cidade, apesar de alguns absurdos que sou obrigado a presenciar, a grande maioria das pessoas não me faz mal. Elas não jogam seus carros em cima de mim, não batem minha carteira, não tentam me machucar. Apesar de também não atentarem para a minha existência, não buscam prejudicá-la. Isso mostra que, se não somos os homens perfeitos, como Deus criou e estamos muito rebaixados em nossa natureza, ainda há um resto de bondade e verdade que se encontra no fundo de cada um de nós.

E é a consciência dessa bondade residual que nos impulsiona a não abandonar completamente este mundo e acreditar que, de alguma maneira, ainda que não tenhamos a ilusão de mudá-lo, podemos alcançar algumas almas e resgatá-las da miséria que as cerca.

Quando as pessoas passam a ser o nosso objetivo, e não as ideias e as ideologias, quando o que buscamos é alçá-las a um nível superior de existência, não mais escravizada às mazelas do mundo presente, toda luta política, discussões e debates acabam revestidos de sentido. E ainda que saibamos que nossa esperança reside no porvir, ela não tem sentido algum se não mover em nós o ardente amor por almas que ainda não entenderam o valor das coisas celestes.


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