Minhas considerações sobre um ato inter-religioso

Houve, em minha cidade, um evento, promovido pela Prefeitura, denominado Ato Inter-Religioso pela Tolerância, no qual, se reuniram representantes de dezenas de religiões, na única Mesquita Islâmica existente na região e eu, como não perco uma oportunidade, aproveitei para comparecer também.

Ao chegar ao local, a impressão que tive era presenciar uma verdadeira Babel. Eram trajes e cores de todos os tipos, adereços dos mais diversos e uma enormidade de tipos étnicos também. Ainda assim, não era difícil identificar a que religião pertencia cada pessoa. Isso mostra que, apesar de toda a modernidade que todos tentam exprimir, ainda são os elementos tradicionais, como o vestuário, que caracterizam as religiões. Falam muito em diversidade, mas não perdem tempo em se identificarem como pertencentes ao seu nicho, ao seu grupo, à sua fé.

O evento, em geral, foi mais um ato formal, não havendo a possibilidade dos oradores se expressarem em mais detalhes. Na verdade, a cada representante de sua respectiva religião, foi dada a oportunidade de dizer apenas algumas poucas palavras.

Ainda assim, desde o princípio ficou claro que a linguagem era uniforme. Todos falaram em tolerância, em respeito, em convivência e coexistência. Outros, um tanto mais atrevidos, chegaram a falar em unidade e ecumenismo.

Ainda assim, houve algumas falas que foram significativas para entender a mensagem que tentou-se transmitir ali. Por exemplo, todos os representantes de religiões africanas (e foram seis!) ressaltaram a perseguição que eles supostamente sofrem no país. Um deles chegou a lembrar que o Dia da Tolerância Religiosa foi criada por causa do assassinato, por evangélicos (dito por ela expressamente), de uma mãe-de-santo (depois, vasculhando a história, vi que tudo nela é muito mal contado). Outro, comparou o que está ocorrendo com os islâmicos hoje, com a perseguição que eles mesmos, sofrem. Sim, foi isso mesmo que você entendeu! Um representante das religiões africanas disse que os islâmicos estão sendo vítimas de perseguição no Brasil!

O que pôde ser percebido, portanto, é que, apesar do ambiente multicolorido e fraterno, pelo menos uma religião não parecia ser bem-vinda ao ato: a dos crentes. E isso ficou mais claro quando percebi que o único representante protestante fora um bispo anglicano (lembrando que o anglicanismo é a menos protestante das igrejas protestantes). Ah, houve ainda uma fala improvisada de um suposto pastor evangélico, de quem nunca ouvi falar, que não se apresentou como sendo de igreja nenhuma, que, sendo claramente inculto, foi o único que se expressou de maneira completamente confusa e com o martírio da língua portuguesa, e que se atreveu a louvar o laicismo, o que deixou claro que, na verdade, as igrejas protestantes, seja de quais vertentes fossem, não estavam representadas no ato.

De qualquer forma, para o leigo que ouviu todos aqueles pronunciamentos, parece que duas religiões sofrem com a intolerância: os islâmicos e os africanos. Porém, é notório que aqueles que mais são perseguidos no mundo por causa de sua religião são os cristãos. No entanto, naquele evento, os cristãos foram tratados, explícita e implicitamente, como os verdadeiros agentes da intolerância religiosa.

Para não dizer que nada foi dito sofre perseguições, o bispo anglicano chegou a citar que a cúpula de sua denominação emitiu um parecer sobre a necessidade de se coibir tais tragédias. Porém, tudo dito assim, genericamente, o que para os ouvidos incautos do público presente, parece ter sido um alerta contra os cristãos e não a seu favor.

Houve ainda a fala de um sheik islâmico e de um rabino, mas que não passaram de generalidades. Falaram de paz, de respeito, e sequer tangenciaram qualquer assunto mais agudo.

Por fim, o bispo católico teve sua fala. Nela, não houve qualquer citação dos problemas que os cristãos têm sofrido no mundo por causa da intolerância. Sendo ele um representante da Igreja Cristã, sua omissão é abjeta. No mais, repetindo o que ele disse serem palavras do papa Francisco, conclamou as pessoas a serem mais do que tolerantes, mas interessadas na religião alheia. Ficou claro que, segundo ele, cada um viver a sua fé é insuficiente, é necessário que haja um congraçamento entre as religiões.

E por mais incrível que pareça, não houve uma alusão sequer à liberdade de expressão e, menos ainda, de opinião. Parece que para todas aquelas pessoas ser tolerante significa calar-se definitivamente. Para elas, emitir opiniões sobre a religião alheia é crime e não deve ser aceito, de maneira alguma.

A tolerância imaginada por aquela gente só poderia ser aplicada em um Estado totalitário. Mas isso eles não percebem. Eles acham que é lindo defender o direito de não ser criticado e acreditam que isso é o supra-sumo da tolerância, quando, na verdade, é apenas a manifestação de uma mentalidade repressiva e autoritária.

Minha impressão de tudo o que presenciei ali é que, primeiro, as pessoas costumam pensar as coisas baseadas, primordialmente, nas sensações que elas lhes passam. Falam de tolerância sem pensar, na prática, o que significa a expressão. O que é certo é que, para elas, não basta alguém praticar a sua própria e respeitar o direito dos outros de praticarem a deles. O que pode ser extraído de todas as falas é que o ideal é que haja um trabalho conjunto, uma interação, uma troca de experiências e conhecimento.

O problema é que, na prática, isso é inviável. Até porque uma religião é, por definição, uma delimitação. Nela se ensina verdades absolutas. Sendo assim, o que não se coaduna com seus ensinamentos é, nada menos, segundo suas concepções, um erro. Tentar, portanto, fazer com que ela aceite as pregações alheias é o mesmo que negar a si mesma.

Além de tudo isso, aquelas pessoas agiam como se o único problema do mundo fosse a crítica que os evangélicos fazem aos terreiros de macumba e afins. Se expressavam como se não houvesse, no restante do planeta, grupos religiosos que praticam o terrorismo e que são representantes da mesma religião dos anfitriões do evento ecumênico. Sequer ousaram dizer que tais terroristas eram falsos islâmicos. Simplesmente fingiram que nada disso está acontecendo.

Assim, posso dizer que o Ato Inter-Religioso é, nada menos, que uma farsa, uma ilusão, uma fantasia. As pessoas que estavam ali podem até ter as melhores das intenções, mas não passam de idiotas que não conseguem entender, sequer superficialmente, a consequência de suas próprias idéias. Quanto aqueles que, claramente, estavam ali apenas atuando, como atores, tenho certeza que saíram satisfeitos, pois perceberam que o praticante do politicamente correto é iludido com muita facilidade – bastam algumas palavras mágicas que caem enfeitiçados.


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