Meia-noite em Paris

Estaria, o homem de cultura, determinado a sofrer com a chamada “Síndrome da Era de Ouro”, condenado a enxergar o passado sempre como uma época superior e a lastimar todas as coisas que, imagina, eram melhores e foram perdidas? A pergunta que a estória de Woody Allen, Meia-Noite em Paris, faz são estas. De uma maneira um tanto surreal, com uma leveza surpreendente para o casting de atores escolhidos e sem perder a estética de um filme moderno, ele brinca com a ideia de seu personagem, um escritor apaixonado pela literatura dos anos 20, poder viver, ainda que por alguns instantes, naquele período visto como mais atraente e estimulante.

E quantos de nós, muitas vezes, não temos saudade do que não vivemos, derramando pesadas reclamações sobre nossa própria época, acreditando que tudo hoje está perdido, restando, talvez, se refugiar nos documentos que nos remetam aos tempos áureos, quando as pessoas eram mais felizes, mais inteligentes e mais satisfeitas?

De fato, quase não há como fugir de tais sensações. Isso porque a pessoa que pensa, que medita sobre a realidade, acaba, por conta de sua sensibilidade e perspicácia, captando as mazelas da vida, percebendo que muitas coisas não estão no lugar que deveriam estar. Inescapavelmente, o homem que reflete acaba por olhar para trás, para o passado, mesmo aquele que ele mesmo não viveu, e o toma como uma época melhor que a sua, quando o mundo parecia mais harmonioso, menos superficial e mais inspirador.

Ao fazer isso, porém, acaba não notando que tais sentimentos não são próprios de seu tempo, mas de todos os tempos. Os intelectuais do passado também se lamuriavam pelas virtudes abandonadas pelos seus contemporâneos. Desde os pensadores romanos, como Cícero, Marco Aurélio, Sêneca e Varrão, passando por toda a intelectualidade ocidental até os dias de hoje, a exclamação O Tempora O Mores*, fora exprimida por cada um, de sua própria maneira, em sua própria língua, em seu próprio tempo.

Também não percebe que, ao lançar para o passado todas as virtudes e todos os bens, acaba por abandonar sua própria realidade, deixando de a ter como uma oportunidade para fazer o que deve ser feito. Não que as degradações não sejam progressivas, nem que, cada vez mais, o mundo não pareça inexoravelmente mais corrompido e insolúvel. Porém, apesar de tudo, este é seu tempo, esta é sua vida e aqui estão suas possibilidades e, principalmente, oportunidades. Negar isso, de alguma forma, é negar a si mesmo, de uma maneira que, ao invés de fazê-lo superior, torna sua existência vazia e sem sentido. O que uma pessoa é depende do que ela faz com que está a sua disposição, em seu momento presente, e é sobre isto que ela deve trabalhar a fim de transformar sua presença neste mundo minimamente relevante.

Eu mesmo acho minha época deprimente. Não sou nem um pouco entusiasta de minha geração. A impressão que tenho é que o mundo fora melhor sempre e que, neste instante, quando existo, ele vive sua fase mais degradante. Mas, seria, por isso, a fuga para o passado a solução para este mal? Certamente, não.

No entanto, se os males presentes são reais e se simplesmente retornar a um passado fantasiosamente glorioso não é a solução, como manter a esperança na existência humana e torná-la, ao menos em si mesmo, algo de valor? A resposta do filme, que talvez tenha ficado escondida para alguns olhares menos sensíveis, é que há valores universais que permanecem e são neles que iremos encontrar os fundamentos para a própria existência. Talvez, no roteiro, isso tenha sido simbolizado pela própria Paris, cidade das luzes, mas é certo que havia algo mais ali. Não são apenas as luzes de uma cidade que permanecem, mas os olhares é que se renovam. E se Paris, de alguma maneira, mantinha seu charme, é porque, apesar das mudanças, permanecia nela algo inalterável. Assim é a vida! Podem ocorrer mudanças e degradações visíveis, mas sempre haverá valores fundamentais que permanecerão. E são sobre estes que o homem sábio fincará seus alicerces.

* Ó Tempos! Ó Costumes! Exclamação de Cícero contra a depravação de seus contemporâneos.


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