Há quem se envergonhe de sentir medo; também há quem acredite que seus desejos são intrinsecamente impuros. Sentem como se esses sentimentos fossem essencialmente maus; como se o mero fato de senti-los representasse fraqueza e pecado.
Sofrem, então, com a ininterrupta acusação interna, que afirma que possuir esses sentimentos é condenável. Vivem com um algoz estabelecido ao lado de suas consciências, pronto a executar a pena.
A vergonha e sua consequente culpa paralisam. Quem se envergonha se retrai; quem se culpa se pune. E não há como seguir em frente retraindo-se e punindo-se todo o tempo.
Isso não quer dizer que se deva abandonar todo o medo e dar vazão a todo desejo. O medo e o desejo existem, cada um deles, por um motivo e quando se aprende suas funções aprende-se também como conviver com eles.
A função do medo é alertar-nos dos perigos. Como forma de proteger-nos dos males que podem nos afetar, ele avisa-nos que podemos estar em risco. Por isso, se não tivéssemos medo algum, seríamos inconsequentes e nos meteríamos em grandes confusões. Certamente, uma pessoa sem medos mataria a si mesma.
Está claro que precisamos do medo. No entanto, apenas na medida em que ele nos sirva para livrar-nos de enrascadas. Quando, porém, ele se manifesta de uma forma desordenada, acaba paralisando-nos, impedindo-nos de usufruir daquilo que nos é lícito e impedindo-nos de experimentar aquilo que nos é agradável.
Do mesmo jeito, o desejo nos é necessário. É ele que nos impulsiona a perseguir aquilo que nos é imprescindível. Longe de ser impuro, o desejo induz-nos a coisas que nos mantém vivos, por isso ele é importante.
Sem o desejo, ficaríamos inertes e deprimidos. A ausência do desejo nos tornaria improdutivos e inúteis. O problema é quando ele torna-se transloucado. Neste caso, em vez de servir como um impulsionador àquilo que é útil, acaba por limitar-nos, não permitindo o gozo de nada além daquilo que é o objeto do desejo. O desejo descontrolado é um déspota, um escravizador. Ele, que deveria nos libertar da inércia, acaba por agrilhoar-nos no objeto desejado.
O medo e o desejo são como aqueles bons amigos, um tanto descabeçados, que nos impulsionam à vida, mas em quem não devemos confiar cegamente.
Ainda assim, não há porque se envergonhar do medo e negar os desejos – da mesma maneira que não nos envergonhamos de nossos amigos, nem negamos a amizade que eles nos oferecem.
Os medos e os desejos podem ser-nos bastante úteis desde que bem governados pela razão. Basta não permitir que extrapolem para além daquilo que existem, nem se retenham aquém de sua utilidade.
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