Ideologia e poder

Ter ou não ter uma ideologia? Até o cantor Cazuza disse que queria uma e mesmo o professor Olavo de Carvalho já afirmou que é preciso tê-las. O fato é que as ideologias possuem um certo tipo de atração. Elas oferecem uma espécie de apoio, algo no que as pessoas podem depositar sua confiança. Confessar uma ideologia dá a impressão de viver sobre princípios claros. Por isso, as pessoas admiram aqueles que a professam e até têm-nos numa condição superior. Podem discordar deles, até combatê-los, mas consideram-nos gente que sabe o que quer, que busca algo na vida.

Isso, porém, é o maior engano que se pode cometer. Ideologias parecem com princípios, mas, geralmente, não passam de mero pretexto para o poder.

Vejam o comunismo. Seu objetivo é o poder. Ele possui uma ideologia por trás, tem lá suas ideias, muitos seguidores, no entanto, todas as vezes que foi preciso mudar as convicções para que os projetos de poder se concretizassem, não houve problema algum.

O pacto Ribbentrop-Molotov, que abriu as portas para a Segunda Guerra Mundial é um exemplo claro disso. Os comunistas do mundo inteiro, após passar mais de uma década numa luta contra os fascistas, criando, inclusive, todo um linguajar e uma cultura de combate contra eles, de repente, viram-se diante de um acordo, de seu líder máximo, na época, Stalin, com o próprio Hitler. Por este acordo, além de partilharem a Polônia, os dois governos ainda passaram a tratar-se como irmãos.

A partir dali, até a quebra do pacto pelos Alemães, foram três anos de ações que denotavam uma verdadeira aliança nazi-comunista. Tanto foi assim que, na Rússia, o próprio Pravda passou a escrever matérias em favor dos alemães, enquanto a palavra fascista fora suprimida completamente de seus artigos. Até os guardas das prisões russas foram proibidos de chamar os prisioneiros políticos de fascistas.

E o que fizeram os comunistas do mundo inteiro? Revoltaram-se contra a vergonha que sua liderança soviética lhes impunha? De maneira alguma! A orientação de Moscou aos comunistas de todos os lugares era não se atrever a criticar os germânicos – e assim foi fielmente obedecido pelos séquitos. Ou seja, não importava mais a ideologia, nem os princípios, mas o poder. E se Stálin, o grande líder, havia feito um acordo era porque, independentemente de qualquer coisa, estrategicamente, havia algum motivo que seria melhor para o movimento.

Isso mostra como a ideologia não existe tanto como doutrina, nem como fundamento intelectual das ações, mas como desculpa. O que importa mesmo são os objetivos e, para alcançá-los, qualquer ação vale. Não existe, portanto, esse negócio de superioridade ideológica. O que está em jogo mesmo é a disputa de poder. Com ideologia ou sem ideologia, são homens e grupos lutando para dominar uns aos outros. A ideologia serve mais como agrupadora, do que orientadora, de fato.

Por isso, se não desprezo completamente as ideologias, também não me convenço da superioridade de nenhuma delas.


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