Poucas pessoas sabem, mas meus primeiros estudos teológicos sérios, apesar da minha formação protestante, não partiram de autores reformados, com os quais fui ter contato apenas posteriormente, mas, por meio de um livro que, na verdade, sequer tratava de Teologia propriamente dita e, sim, da evolução das ideias dos maiores pensadores cristãos dos primeiros séculos de nossa era, até o final da Idade Média.
A História da Filosofia Cristã, de Etienne Gilson e Philotheus Boehner, foi meu primeiro contato com o pensamento cristão profundo. Nele eu encontrei o esforço descomunal de homens que, sem os recursos teológicos disponíveis apenas muitos séculos mais tarde, não mediram esforços intelectuais na tentativa de compreender a existência, sob uma perspectiva cristã. De fato, todas as questões cruciais estavam ali presentes: a alma, a liberdade, o amor, a cognoscibilidade divina, a verdade, a eternidade, a natureza, o corpo e tantos outros temas que aqueles personagens entendiam importantes para uma reflexão séria sobre a vida.
Ter iniciado meus estudos por esse livro, de fato, moldou o meu caráter cristão. Possuindo já, à época, uma formação bíblica sólida, os textos daqueles filósofos cristãos expandiram minha perspectiva para muito além da doutrina. É verdade que, naquele tempo, eu já era afeiçoado aos pensadores gregos, o que me facilitou muito a absorção do que aqueles filhos da Igreja, quase todos, de alguma maneira, continuadores de Platão e, depois, de Aristóteles, diziam.
Isso fez com que minha formação teológica fosse, no mínimo, sui generis. Um jovem protestante, apaixonado por Filosofia, que decide se embrenhar nas matas cerradas da Teologia e inicia sua caminhada por uma via muito diferente da esperada. Seus primeiros mestres não foram Calvino, nem Lutero, nem os teólogos sistemáticos, nem mesmo os catequistas, mas Justino, Clemente e Orígenes. E por serem estes cristãos em uma religião ainda nascente, acompanhar seus pensamentos foi, para mim, como testemunhar o crescimento de uma criança. Como Gilson e Boehner apresentam, em sua obra, uma sequência cronológica dos filósofos, a leitura desse trabalho me permitiu desenvolver minhas ideias cristãs, em alguns dias, na mesma sequência que a cristandade o fez em séculos.
Apenas após findar a leitura de A História da Filosofia Cristã é que comecei a estudar Teologia propriamente dita. Quando o fiz, porém, minha mente já não era mais de uma garoto deslumbrado com a pompa e os termos técnicos desta pretensa ciência, mas de alguém que já havia tido contato com os maiores gênios do pensamento cristão.
Talvez por isso, meu pensamento teológico não se enquadre nas expectativas ortodoxas protestantes, apesar de também não ser exatamente algo plenamente aprovado por Roma. Isso, de alguma forma, me deu a vantagem de absorver o que há de melhor em ambas vertentes cristãs, sem me comprometer com seus desvios.
Está certo que esta é uma típica atitude protestante, porém, não se pode negar que, a despeito da liberdade de pensamento que a Reforma proporciona, muitos de seus teólogos estão mais encarcerados em suas doutrinas específicas do que qualquer padre jamais se permitiria.
De qualquer forma, registrado está meu testemunho sobre a preciosidade dessa obra.
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