Desde o século XVIII, utopias e ideologias revolucionárias sucederam-se, constituindo-se invariavelmente de elementos antiliberais e anti-individualistas. Todas elas se levantaram contra as forças do mercado, a autonomia dos indivíduos, a livre competição e a liberdade, de maneira geral. Mostraram-se, invariavelmente, coletivistas e apostaram num sistema social planificado, executado por meio de um poder centralizado, formado por uma elite iluminada.
O professor Alexander Dugin as tem como modelos a serem seguidos, propondo que se dê, de alguma maneira, continuidade ao que elas começaram. No entanto, ele identifica nesses movimentos características modernas, as quais rechaça, propondo que sejam abandonadas. Assim, o Eurasianismo acaba se apresentando como uma espécie de evolução das ideologias predecessoras, porém sem os elementos modernos que as caracterizaram.
O Eurasianismo denomina a si mesmo de Quarta Teoria Política porque, segundo sua interpretação, houve três movimentos políticos anteriores e que, agora, chegou a hora da manifestação do quarto movimento. O primeiro desses movimentos teria sido o liberalismo, que é o que dá origem ao capitalismo e, consequentemente, ao globalismo. Nele, o ator político principal é o indivíduo. Todos as ideologias posteriores vão se levantar contra ele, inclusive, o eurasianismo. Em seguida, viria o comunismo, que se caracterizaria por ser, além de antiliberal e anti-individualista, coletivista. Seu ator político principal é a classe. No entanto, o comunismo, segundo a visão duginiana, teria falhado por ser ateu, materialista e por querer se sobrepor às nacionalidades, por meio de uma união comunista internacional. O próximo movimento seria aquele que o professor Dugin chama de Terceira Via, que nada mais é do que o fascismo que se manifestou na Itália e na Alemanha. Este teria uma característica anti-individualista também bastante forte e isso é louvado no eurasianismo. Seu ator político principal é a nação. O defeito do fascismo, porém, estaria em sua xenofobia e racismo.
Após essas três teorias políticas, a Quarta Teoria Política, representada pelo eurasianismo, seria como uma evolução delas. Na verdade, seria como uma lapidação, principalmente do comunismo e do fascismo. O que o eurasianismo propõe é que simplesmente tome-se as ideias anticapitalistas, antiliberais e anti-individualistas dos dois movimentos anteriores, além de seu coletivismo e de sua índole revolucionária, apresentando uma nova versão ideológica, abrindo mão apenas daquilo que diz ser moderno neles e incompatível com a Tradição.
Fica claro, portanto, que a Quarta Teoria Política nada mais é do que mais uma manifestação revolucionária. Ela possui o mesmo espírito destrutivo dos movimentos ideológicos anteriores. Apesar de afirmar que pretende estabelecer um respeito ao tradicionalismo, propõe o fim do mundo como o conhecemos. À maneira revolucionária, deseja que não se deixe pedra sobre pedra do modo de vida atual (inclusive suas conquistas democráticas e a favor da liberdade do indivíduo), para o restabelecimento de um tipo de sociedade que se supõe ter existido num passado longínquo.
No entanto, que novidade há nisso? Não foi exatamente isso que todos os movimentos revolucionários propuseram? Não é essa crítica à forma de vida contemporânea e o sonho de trazer de volta algo de uma Era de Ouro, quando tudo parecia ser melhor e mais saudável, que estão contidos nos escritos dos socialistas utópicos, desde o século XVI?
Além do mais, apesar do professor Dugin se apresentar com um tipo de apóstolo antimoderno, ele mesmo está tomado de modernismo. Apesar de possuir uma retórica tradicionalista, seus valores basilares são todos modernos.
Em primeiro lugar, o professor Dugin afirma que sua concepção do indivíduo é absorvida de Heidegger (um filósofo moderno). O sujeito da Quarta Teoria Política deve ser encontrado no conceito heideggeriano de “Dasein” (ser aí/aqui). No entanto, o “dasein” é tipicamente um conceito moderno, pois configura o indivíduo não como um ser metafísico, ontológico, nem individuado, mas como potencialidade, basicamente. É um conceito existencialista, que praticamente despreza o ser enquanto ser permanente – o que não deixa de ser uma compreensão bastante moderna.
Outro conceito defendido pelo professor Dugin é a multiculturalidade. O tempo todo ele reclama da unipolaridade do imperialismo americano e reivindica a dissolução desse etnocentrismo. Porém, isso também é um conceito bem moderno, diferente da perspectiva tradicional que, baseada na centralidade da religião, era mais universalista.
Além disso, o professor Dugin é saudosista de um tempo que não conheceu, mas acredita ter sido superior em diversos aspectos. Porém, essa é outra concepção característica da modernidade que, desde o Renascimento (pré-moderno), busca, de alguma maneira, a restauração de formas antigas. O próprio Rousseau propunha algo desse tipo. Praticamente todos os socialistas utópicos propuseram isso. Hitler propôs isso. Apenas o marxismo tentou evitar cair nesse saudosismo, mas nem ele pôde evitá-lo, quando pensou no comunismo como um sistema de vida semelhante aos tempos primitivos, quando não havia divisão de classes. De qualquer forma, esse saudosismo é mais um elemento moderno existente numa ideologia que se apresenta antimoderna.
Com tudo isso, considero demonstrado que o Eurasianismo (denominado de Quarta Teoria Política) é uma teoria contraditória, pois, apesar de sua retórica tradicionalista, não passa de uma ideologia revolucionária e apesar de seu apelo antimodernista não deixa ele mesmo de ser essencialmente moderno.
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